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Valadares: Um Seminário Vaticano (e Português) em Portugal nos anos 1960

Outubro 20, 2011

Valadares Seminário das Missões da Boa Nova 50 Anos de Lembranças dos Primeiros Tempos, coord. de Aires A. do Nascimento, Lisboa, ARM Associação Regina Mundi dos Antigos Alunos da Sociedade Missionária Portuguesa, 2011, 128 pp., numerosas ilustrações.

O presente livro é um conjunto de relatos de recordações dos primeiros anos do Seminário de Valadares, que a então Sociedade Missionária Portuguesa, hoje Missionários da Boa Nova, fundou em 1961, há precisamente meio século naquela localidade dos arredores da cidade do Porto. As memórias são coordenadas pelo professor universitário e padre Aires A. do Nascimento e escritas por ele  e pelo padre André Marcos – ambos da equipa sacerdotal fundadora – ,  e por José Abílio R. Quina, Marinho Borges, Joaquim Alves Pereira, alunos dessa fase fundacional; o livro compreende a interessante memória descritiva do edifício, escrita pelo seu arquitecto, Fernando Abrunhosa de Brito.

1961 é um ano-charneira para Portugal, para a Igreja Católica e para a Sociedade Missionária: começou a guerra em Angola, o que será decisivo para os portugueses; é o ano em que deixa de ser possível um recuo na convocação do Concílio do Vaticano II, que marcará indelevelmente o catolicismo; nutridas fornadas de padres estavam então a sair dos seminários da Sociedade Missionária, que assim se via consolidada.

A Sociedade fora fundada pelo Papa Pio XI, em 1930, com o nome  de Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas, e ficou sob a  tutela da Secretaria do Estado do Vaticano, já que o peculiar estatuto das  missões portuguesas excluía que dependessem da Propaganda Fide.  A nova Sociedade herdava dos sacerdotes do Padroado, individualistas, nacionalistas avant la lettre; eram formados nos seminários das missões em Tomar e Cernache do Bonjardim; o novo instituto modernizava-lhes a formação  missiológica e dava-lhes uma estrutura eclesiástica  organizada e protectora, quer no exercício da missão nos sertões quer na velhice nas Beiras, no Minho, em Trás-os-Montes.

Em 1961 a Sociedade já geria  um seminário de estudos avançados em Cucujães, no concelho de Oliveira de  Azemeis, mas convinha-lhe dispor de  um outro com acesso fácil à cidade do Porto, pois era no norte do país que estava situado o seu centro de gravidade e já então parecia provável que naquela cidade viesse a funcionar um instituto superior de estudos teológicos. No novo  seminário ficaria pois situada a logística dos cursos de Filosofia e de Teologia, que são os graus médio e superior do ensino eclesiástico.

Por um bambúrrio, os padres da Sociedade Missionária descobriram para venda a casa apalaçada e a quintarola da condessa de Lobão, na freguesia de Vilar do Paraíso, e, confinando com as traseiras desta propriedade,  encontraram ao mesmo tempo  a Quinta do Penedo, já na freguesia de Valadares, a qual daria ao novo seminário o nome por que ficaria conhecido.

Um bambúrrio outro é a existência no palácio da condessa de Lobão de uma capela dedicada a Nossa Senhora da Boa Nova, que daria mais tarde à sociedade o seu nome actual. A invocação acertava em cheio no neonato, o seminário de um instituto missionário, por definição encarregado de espalhar a Boa Nova; Aires do Nascimento estuda com proficiência a sua difusão em Portugal e no estrangeiro.

O seminário começou a funcionar nas instalações já existentes, ainda que em condições precárias, e o novo edifício, muito atraente aliás, só foi construído com base num generoso cheque de 150 mil dólares que o Papa Paulo VI deu à Sociedade, quando veio a Fátima, em 1967; equivaleriam a quatro mil e quinhentos contos da época e a mais de novecentos mil euros de hoje. Era uma verba avultada, que revelava uma aposta forte da Santa Sé nas missões portuguesas em geral e na Sociedade Missionária em concreto. Tendo em conta a conjuntura da guerra colonial naquela data, e a conhecida posição de distanciamento vaticano face ao colonialismo português, esta aposta faz pensar.

O seminário de Valadares teve um papel importante na cultura católica portuguesa dos anos 1960 e 1970: nele decorreram, por exemplo, as célebres Semanas Missionárias e nele começou a ser publicada a revista Igreja e Missão, então uma das revistas mundiais de melhor informação teológica, e que aliás continua a ser publicada.

O livro Valadares Seminário das Missões da Boa Nova 50 Anos de Lembranças dos Primeiros Tempos colige vários testemunhos fascinantes sobre a vida de um seminário português no começo do Vaticano II – de um seminário particularmente adaptativo e aberto às mutações internacionais. Os textos de Aires do Nascimento acrescentam-lhe uma  elevada densidade poético-teológica, além de numerosas informações históricas.

O livro é ainda mais agradável de ler por uma razão adicional: o texto está perlado de ilustrações coloridas, que devido ao seu posicionamento, função e estrutura evocam as iluminuras dos manuscritos medievais; alegram-nos a vista e enriquecem-nos a compreensão do texto. A  seguir poderá ver o aspecto geral, a partir de duas páginas interiores que damos como exemplo (o livro está bem impresso e a foto abaixo não é das melhores).

2 comentários leave one →
  1. António Figueiredo permalink
    Outubro 21, 2011 5:30 pm

    História construída sobre uma grande confusão de datas. Não está correcto colocar em cima da foto do novo edifício do Seminário de Valadares “50 anos de lembranças…”. Este bloco não tem 50 anos. A cronologia é uma das linhas essenciais da história. Há ainda a confusão da localização dos memoriais que se vão colocando e deixando.

    • Outubro 22, 2011 9:19 am

      Obrigado pelo seu comentário. A recensão citava o livro para deixar claro que o seminário de Valadares, no todo ou em parte, tinha sido construído depois da visita do Papa Paulo VI a Fátima. E deixava também claro que o livro em causa era de memória e não de história.

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