O 1º de Maio Hoje em Dia Ou a Secularização Toca a Todos
O 1º de Maio há dez anos, em Lisboa
Há dez anos, o 1º de Maio em Lisboa ainda era como o Natal há 60 anos: tudo fechado exceto as igrejas. Hoje está quase tudo aberto, incluindo as igrejas.
O 1º de Maio anteontem em Lisboa
É a secularização, isto é, o século, o mundo, a organização política valorizam-se a si próprios e por isso eliminam o sagrado do cerne da organização política. Cada um à sua maneira, o 1º de Maio e o Natal eram sagrados, deixaram de o ser. Muitos supõem que só as igrejas tradicionais sofriam com a secularização. Mas a realidade é outra. Assim, por exemplo, a maçonaria norte-americana, a maior ou uma das maiores e mais institucionalizadas obediências maçónicas, tem que enfrentar uma crise de efetivos praticantes que parece paralela à das religiões organizadas. Igrejas e maçonaria são instituições do simbólico e a esse título as cotejamos.
Devido à secularização, os dias festivos mudaram de sentido: antes dela esses dias assinalavam uma data fundadora, depois são um dia de férias pagas. Há sessenta anos o Natal era a comemoração do nascimento de Jesus. Hoje é o dia que justifica um subsídio, o subsídio do Natal. O 1º de Maio era o dia do trabalho, hoje é o dia do consumo, com restaurantes e supermercados abertos.
O que dizemos é verdadeiro para a organização política como um todo. Continua a haver muitos cidadãos crentes para os quais o Natal é sagrado e comemora o nascimento do Salvador e muitos outros cidadãos crentes para os quais o Primeiro de Maio é sagrado e comemora a odisseia do Trabalho (às vezes ambos estes grupos de cidadãos coincidem no mesmo cidadão). Mas a sociedade secularizou-se, não comemora crenças específicas, acredita apenas em si própria. Há uma mutação do simbólico, que muitos qualificam de crise do simbólico.
Quando o Muro de Berlim caiu, muitos julgavam que tinha caído apenas para o lado do comunismo soviético, destruindo-o. Heiner Müller, o genial dramaturgo alemão encenado em Portugal por Jorge Silva Melo, comentou: «o Muro caiu para os dois lados». Tinha razão.
É a secularização. Este paralelismo parecerá chocante. Estamos habituados a pensar o Estado e a Igreja como inimigos e aqui vemo-los como vítimas do mesmo destino: a secularização. É certo que o 1º de Maio não é o Estado – mas, na terminologia sistémica de David Easton, é um dos inputs do Estado, está no seu campo. Por isso, num certo sentido, o Estado-nação passa por um processo de secularização comparável ao das instituições do simbólico: o Estado laiciza-se não por se separar da Igreja mas por se separar de qualquer crença que não seja a da sua própria sobrevivência.